Nego Gucho não tinha nome; a vida deu-lhe um apelido. Pelo mesmo motivo, também não tinham identidade Nego Nato, Nego Quité, Nego Meia Noite, Nego Teco, Nego Lavo, Nego Ventura. Ninguém lhe pedia Certidão de Nascimento ou Carteira de Identidade porque não participava de nenhuma ação que exigia documento. Até ouviu-se um comentário quando queriam que deixasse a propriedade: “Nego Gucho não existe”
Vivia e trabalhava com extrema humildade e pobreza – miséria na opinião da maioria – o Nego Gucho. Abrigava-se num casebre nos fundos de uma propriedade, perto de uma enorme figueira e uma fonte de água. Água e sombra não faltavam. A grande árvore protegia a frágil habitação de ventos e temporais. Conforto não conhecia. Dividia o espaço e a pouca comida com seu cachorro Totó – parceiro de todas as horas – sem esquecimento. Filhos e mulheres diziam que teve, mas não sabe quantos. Perdeu a conta. Carregava o orgulho de falar alemão fluentemente. Aprendeu com a alemoada
O facão e a foice eram a duas únicas ferramentas de trabalho. Tinha, também, uma lima guardada cuidadosamente atrás da porta quando terminava de afiar as ferramentas para mais uma roçada. Tinha pouca roupa: uma calça, uma camisa e um par de sapatos que usava uma vez ao ano na quermesse da comunidade católica. Para o trabalho na roça tinha poucas peças que eram lavadas aos sábados. Viveu e morreu pobre.
Em oposição a esta situação, transitava, impressionava, impunha sua opinião, um agricultor bem de vida, respeitado e saudado como “Herr Heinrich”. Educou os filhos no reto caminho da Igreja. Todos trabalharam muito e as economias foram investidas na aquisição de terras. Como presente de casamento, cada um dos sete filhos recebeu 30 hectares de terra. Manteve um casamento por mais de cinqüenta anos. Falava quando queria. Quem queria levar fama de educado precisava esperar e concordar com a opinião dele.
Mas nada é impossível. Já idoso, poucos meses depois da comemoração das Bodas de Ouro, enrabichou-se pela empregada. Abandonou tudo e a todos e seguiu o caminho do coração. Foi morar em outra localidade. Foi enganado ao tentar comprar a felicidade. Gastou tudo que tinha.
Anos mais tarde, um dos filhos recolheu-o sem dinheiro, sem respeito, doente e desacreditado. Tinha algumas peças de roupa, um revólver e um bandoneon que herdara de seu pai.
A partir daí, alguns mais atrevidos que não esqueceram os tempos idos diziam: “qual é a diferença entre o Nego Gucho e Herr Heinrich?”
– “Nego Gucho morreu com um facão e uma foice.” “Herr Heinrich acabou seus dias deixando como herança um revólver e um bandoneon.”