Juvêncio Pedreira

Juvêncio chegou à vila na entrada do inverno. Veio pedalando uma bicicleta Monark. Chegou suado porque encontrou uma estrada com descidas e subidas que lhe exigiram fôlego. Todos os seus pertences estavam dentro da mala de garupa pendurada por cima do varão.

Pediu um copo de água e uma pousada no bar e salão de baile da localidade. O proprietário ofereceu um quarto desocupado no fundo do prédio e exigiu o pagamento adiantado. Combinaram a permanência de uma semana. Lá tinha uma cama com colchão de palha e um baú.

Juvêncio foi ficando. Conversava com os clientes do bar que vinham tomar uns tragos ou jogar carta. Muitas vezes, os frequentadores do local jogavam carta e bebiam além da conta. Ninguém lembrara de perguntar o sobrenome, até que um dia, um pinguço invocado lascou:

– Afinal de conta, quem tu é? Veio fazer o quê? Não tô gostando do teu jeito. Qual é o teu nome?

– Juvêncio Pedreira. Juvêncio Luis Pedreira.

– Que nome! Agora a minha dúvida aumentou. Deixa eu sair daqui.

Poucos dias depois, a morte do único barbeiro da localidade foi a oportunidade que Juvêncio precisava. Tinha alguma habilidade para fazer a barba (aprendera o ofício no quartel) e com um pouco de capricho daria conta do recado. Era só colono que chegava para dar uma alinhada no bigode, barba e cabelo. Sem muito luxo.

Mudou-se para a casa do barbeiro já que os filhos moravam em outra localidade e precisavam de alguém para cuidar e limpar o pátio. Conquistou clientela, alugou a casa e abriu uma bodega. Revelou-se um bom vendedor e negociante. Conseguiu uma licença para táxi. Casou.

Comprou a casa e o terreno. Ampliou o negócio. Abriu o primeiro mercado e venda de material de construção. Comprou um caminhão e um ônibus. Os negócios andavam bem. Tornou-se o comerciante com a maior frota de caminhões para transporte de carga do município. Os caminhões da empresa iam onde precisava: Minas Gerais, São Paulo, Paraná…

Trabalhava muito e exigia o mesmo dos funcionários. Tinha hora pra começar, mas não para terminar. Carteira assinada, direitos trabalhistas, férias, hora extra ou plano de saúde fora de cogitação. Deveriam “poupar para ter reserva na hora de precisão.”

O sucesso e progresso de Juvêncio conquistaram a admiração dos moradores da região. Achavam-no o máximo e propunham parceria. Era procurado por todos. Era o galo, o corajoso, ousado, arrojado, empreendedor. Surpreendeu e seduziu políticos e com eles se juntou. Emprestava dinheiro e prometia juros tentadores. O dinheiro vinha das poupanças dos agricultores.

Juvêncio já não era mais sua identidade. “Seu Pedreira”… “Senhor Pedreira” passou a ser chamado.

Revelava-se frio, duro e insensível quando surgia alguma dificuldade. Resolvia seus problemas, negócios, lucros. Megalomaníaco dizia aos que se queixavam que deviam fazer como ele: “trabalhem sem se lamentar e encontrem soluções para os problemas”

– “Self made man”, segundo o professor de inglês da escola, quando alguns alunos e pais faziam questionamentos.

– “Er gehört zu den Menschen, die aus eigener Kraft etwas geworden sind”, foi a definição de uma vizinha que muito o queria como genro.

Na mesma proporção que conquistava admiração, apareciam os comentários sobre a real situação econômica e financeira.

– Alguma coisa não está certa. Dinheiro não cai do céu. Aqui todo mundo trabalha e ninguém chega lá.

Um ex-empregado deixou escapar:

– A pedreira parece forte por fora. O dia que levar uma batida, ou uma paulada, os pedregulhos rolarão e todos vão descobrir o tamanho da encrenca. Tudo frio. Sonega imposto, não paga carteira. Não devolve dinheiro emprestado, os postos de gasolina e as oficinas já contabilizam as perdas. Juro não paga há tempo.

Passaram-se alguns anos e a decadência iniciou. Os empregados procuraram a justiça do trabalho, os bancos executaram hipotecas, a justiça leiloou os bens.

Um velho morador, ao comentar a atual situação de Juvêncio Pedreira, murmurou:

– Chegou com uma bicicleta, duas camisas, duas calças e duas cuecas. Montou um império, arruinou muita gente trabalhadora e honesta. Caiu.

Velho e sem forças para recomeçar, lembrou-se da aposentadoria que não teria porque nunca contribui para a previdência.

No último dia de agosto sucumbiu. “Não aguentou o J.J.A. (junho, julho e agosto)”. Saiu da vila sem nada e sem deixar saudades.

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